Rafael Catão e Augusto Obice

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Sistema Único de Saúde; 2.1. Participação do setor privado no atendimento do SUS; 3. Equilíbrio Econômico-Financeiro; 3.1. Falta de Atualização nos Valores do SUS; 4. Conclusão.

RESUMO

            Com a ascensão do Estado de bem-estar social (Welfare State) a política pública dos países ocidentais passou a conferir importância cada vez maior às condições de seus cidadãos. Neste meio, a Lei nº 8.080/1990 representou um marco da política pública brasileira, não só instituindo o SUS como garantindo a participação privada como forma de complementar o serviço essencial previsto.

            A participação da iniciativa privada em auxílio ao setor público observa o imperativo good value for money, ou seja, procura sempre oferecer um bom serviço em troca do investimento estatal. Desta forma, todo particular que atua diretamente no auxílio à demanda expressiva do Sistema Único de Saúde deve ser ressarcido adequadamente por cada procedimento realizado.

            A inobservância do correto ressarcimento pelos procedimentos, roga pela aplicação do reequilíbrio econômico financeiro dos contratos, previstos na própria lei do SUS. Ante a falta de atualização dos valores por procedimento ressarcidos pelo poder público aos entes privados, fez-se necessária a presença do Poder Judiciário para mediar a aplicação legal e a manutenção exequível do inestimável atendimento prestado à população brasileira.

  1. INTRODUÇÃO

            O Welfare State tem suas origens nos tempos idos de 1880, quando o recém criado Estado Alemão, sob a tutela do seu Primeiro Ministro Otto von Bismarck, empreendeu um sistema revolucionário no qual os trabalhadores pagariam uma pequena parcela de seus ganhos com vistas a garantir uma renda mensal estável quando não conseguissem mais trabalhar. Nascia assim o sistema previdenciário, que seria empregado por todos os países do globo.

            Porém, apenas na segunda metade do século XX, após o término da Segunda Guerra Mundial, houve a real ascensão do Estado de bem-estar social. Com as realidades do pós-guerra e a necessidade de reconstrução, fez-se necessário um Estado forte que conseguisse prover para sua população os serviços essenciais à vida.

            Destes, a saúde pública atinge a proeminência por ser fundamental à convivência social. Crises sanitárias ditaram, ao longo da história da humanidade, padrões migratórios e até mesmo o crescimento demográfico da população global. Seja com a “Peste Negra” determinando o êxodo europeu das cidades para o campo, ou a “Gripe Espanhola” causando a primeira pandemia da história da humanidade, ceifando entre 20 a 40 milhões de vidas.

            A preocupação com a saúde pública no Brasil perpassa o tempo de seu descobrimento, com a instituição das Santas Casas de Misericórdia. Ainda, no início do século XX temos uma preocupação do governo brasileiro, do presidente Rodrigues Alves, com a aplicação de medidas sanitaristas no país, nomeando Oswaldo Cruz, criador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), como Diretor-Geral de Saúde Pública.

            A culminação dos esforços do governo brasileiro, no empreendimento de uma saúde pública ampla e efetiva, se deu com a promulgação da Lei 8.080/1990 que cria o Sistema Único de Saúde.

  1. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

            Fundado com o advento da Lei 8.080/90, o SUS nasce com a proeminência do Estado de bem-estar social e alia a necessidade dos cidadãos brasileiros aos padrões modernos de gestão e eficiência. Servindo de modelo internacional de política pública, a legislação prevê a cooperação de todos os entes federativos e a possibilidade de participação conjunta da iniciativa privada em caráter complementar.

            Obedecendo os princípios da Universalização; Equidade; e Integralidade, o SUS atende mais 190 milhões de brasileiros[1]. Porém, enfrenta sua parcela de desafios e dificuldades, gerados pela extensão territorial nacional e dificuldades na gestão de recursos.

            Em que pese a abrangência de sua execução, o sistema público por si só não é capaz de dar vazão a extrema demanda por procedimentos, sejam simples ou complexos, a serem realizados. A título de exemplo, pode-se citar a fila de cerca de 1 milhão de pacientes[2] que aguardam a realização de cirurgias sem urgência!

            Neste contexto de conquistas e desafios, insere-se a participação privada como forma de superar as dificuldades de atendimento enfrentadas pelo Poder Público. Já em 2022 as participações privadas figuraram como forma de zerar as mencionadas filas de atendimento do SUS no âmbito dos estados[3].

  • Participação do setor privado no atendimento do SUS

            A Lei 8.080/90 foi vanguardista ao prever, em sua gênese, a participação da iniciativa privada em caráter complementar ao sistema público. Desta forma, quando o Poder Público não possuir disponibilidade suficiente para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

            Observando-se todas as normas de direito público, pode ser formalizado contrato ou convênio com a pessoa jurídica de direito privado, no qual esta será remunerada por cada serviço prestado dentro dos parâmetros de cobertura assistencial estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde e aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde.

            Outrossim, houve a pontual preocupação legislativa pelo equilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados. Isto porque uma remuneração em montante aquém do praticado no mercado contribuiria para uma precarização do serviço prestado, de forma que o imperativo “good value for money” deve observar não só o menor custo pelo serviço de qualidade e eficiência, mas também que tal custo não acabe por onerar sobremaneira o ente hospitalar privado.

  1. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS

            A despeito da preocupação legislativa, que previu a manutenção do equilíbrio entre o ente público e o privado, os repasses do Sistema Único de Saúde destinados aos procedimentos hospitalares e ambulatoriais praticados no meio privado amarguram por mais de uma década na inércia de seus reajustes.

            Instituída pela Portaria GM/MS nº 321, de 08 de fevereiro de 2007, a Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS sofreu pontuais e esparsos reajustes em seus valores, relegando a imensa maioria dos procedimentos previstos à estase constante.

            Como consequência, desde 2007 há uma piora gradativa da saúde pública, com a precarização dos serviços e atendimentos. Coube à Agência Nacional de Saúde encontrar uma forma de restituir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, acompanhando os preços praticados pelo mercado.

            Com a elaboração da Tabela TUNEP os procedimentos com valores defasados passaram a ser pagos com aumento, em média simples, de 70% acima dos preços previstos na Tabela SUS.

            No entanto, a TUNEP gerou enorme controvérsia diante dessa diferença entre os valores, o que levou a sua substituição pelo Índice de Valoração do Ressarcimento, previsto na Resolução Normativa da ANS nº 367/2014, que se trata da multiplicação do valor lançado na Tabela SUS pelo fator de 1,5 (um vírgula cinco).

            Tal previsão facilitaria o cálculo por considerar que o valor do atendimento deve ser proporcional ao apurado pelo SUS, para fins de ressarcimento. Promove-se assim, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e convênios, obedecendo o reajuste gradual, ao longo dos anos, do preço praticado no mercado.

  1. CONCLUSÃO

            Em arremate, a criação do Sistema Único de Saúde se mostra como a concretização do Estado de bem-estar social no Brasil, servindo de modelo internacional na garantia de saúde pública para seus cidadãos. Porém, os desafios enfrentados pelo Poder Público em sua efetivação clamam pelo suporte da iniciativa privada, que o faz nos ditames legais.

            Desta forma, mediante a celebração de convênios e contratos, os meios público e privado trabalham em conjunto para ofertar uma saúde pública e de qualidade. Outrossim a participação dos entes privados é feita mediante a celebração de convênio ou contrato, com remuneração por cada procedimento realizado.

            Diante da falta de atualização dos preços dos procedimentos hospitalares e ambulatoriais da Tabela SUS, os entes hospitalares privados devem ser remunerados mediante o fator de atualização do IVR, restaurando o equilíbrio econômico-financeiro da contratação firmada.

            A não observância do fator de atualização nos repasses às entidades privadas gera precarização do sistema público de saúde e prejudica de forma irremediável a população mais carente. Nestes casos, é patente a necessidade de intervenção do Poder Judiciário em favor dos entes hospitalares privados, garantindo a permanência do atendimento hospitalar a toda a população mais necessitada.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Governo Federal, https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/setembro/maior-sistema-publico-de-saude-do-mundo-sus-completa-31-anos

BRASIL. TRF, 5ª e 6ª turma. APELAÇÃO. 1034925-58.2019.4.01.3400.

BRASIL. STJ. AGINT NO ARESP. 2010974 – DF.

BRASIL. STF. ARE. 1301749 RG – DF.

G1. Globo, https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2023/05/23/fila-do-sus-tem-quase-1-milhao-de-pacientes-esperando-por-cirurgias-eletivas.ghtml; https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/05/25/governo-de-sp-lanca-mutirao-de-cirurgias-eletivas-para-zerar-fila-de-540-mil-pessoas-ate-outubro.ghtml

[1] https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/setembro/maior-sistema-publico-de-saude-do-mundo-sus-completa-31-anos

[2] https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2023/05/23/fila-do-sus-tem-quase-1-milhao-de-pacientes-esperando-por-cirurgias-eletivas.ghtml

[3] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/05/25/governo-de-sp-lanca-mutirao-de-cirurgias-eletivas-para-zerar-fila-de-540-mil-pessoas-ate-outubro.ghtml

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